
Sinto-me fechada, a fechar
devagar, a parar
uma angústia penetrante de sabor a nada...
Tantos anos, a viver de imaginação, de sonhos adiados
a perseguir o sonho, sabendo de um saber tão inexperiente
que é mais forte e corajoso que qualquer realidade,
que o pleno existe,
e afinal...
e agora...
Devolvam-me a intensidade, o encanto, o raiar dos limites,
a euforia do momento, a capacidade de ignorar que o amanhã existe,
a fúria libertadora, a paixão inebriante, a vontade de estalar e arder de seguida
da languidez do mel que percorre a coluna vertebral e quebra as pernas...
Porquê?
Porque é que me infligiram esta violência brutal, de que a entrega total é excesso pecatório e assusta o comum mortal.
Tinham mesmo que me reprimir, castrar, violentar desta maneira?
Sim, SOU EU,
para além de tudo o resto que esperam de mim, das provas que dei, da cabeça que levantei, dos monstros que engoli, das responsabilidades a que respondi, das concessões a que cedi, das expectativas a que correspondi, fui capaz, fiz!
Agora não quero mais, não estou a conseguir, larguem-me, libertem-me, não sou capaz de continuar se me exigirem só esse eu, não me matem a chama...
Esta também SOU EU, esta acima de tudo e debaixo da aparência SOU EU!
Todo o meu conjunto, pede, implora, exige!
Não matem a SOU EU, porque senão o resto morre, ou pior vegeta numa insipidez nojenta e incolor, que retira o valor a qualquer prova grandiosa que eu possa entregar em jeito de oferenda, sacrifício ritual, da vossa voracidade cinzenta, mas que mesmo assim ainda me provoca ternura, pela necessidade de verem a menina (dissimulada), que fez, com o olhar, a (falsa) promessa, de se transformar na mulher perfeita - que não sou eu.