quarta-feira, janeiro 31, 2007

Hoje, guardei-te no bolso, para não te ter nas mãos.

Era para ser tudo diferente.
Quanto mais se sonha, mais distante se torna a realidade. Parece-me mais fácil assim. Deixar que a vida se desfaça em pedaços estreitos, e que se misture com os sonhos e com tudo aquilo que queremos ser e nunca somos... e com tudo aquilo que os outros eram e já não são.
Que se misture tudo. Docemente. E que de tudo isso resultem uma ou duas estrelas para pendurar no céu.
E que consigamos olhar para o mundo, como se fossemos mais pequenos ainda que esse par de estrelas... ou do tamanho delas.
Tudo o que se esquece, perde-se, de uma maneira ou de outra.
Tudo o que se recorda, vive-se de novo, como se a vida nos desse mais do que uma oportunidade.
Tudo o que se agarra já é nosso, mesmo que seja só aos nossos olhos.
É fácil ser-se maior que os sonhos, mas só se os sonhos forem pequenos, se forem grandes começamos a andar de mãos dadas com eles.
Guardei-te para não te ouvir,
porque me canso de saber que dizes sempre as mesmas verdades.
Podia ser tudo menos complicado, se concordasses comigo.
Mas não. Não consegues.
Nem nasceste para isso.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Caminhada

Há mais latitude no olhar quando se aceitam as incógnitas dos mapas interiores. Não temos que desbravar todos os terrenos virgens. Alguns estão destinados a permanecer assim, selvagens cá dentro, a semearem dúvidas que nos fazem partir em busca de respostas lá fora.
E por cada resposta nasce um novo enigma. É o que nos faz mover. Tactear, procurar e saber onde não pisar.
Há poços de beleza nas coisas que não têm nome nem rótulo. Guardadas em frasquinhos, bombeadas pelo nosso motor, a conduzir-nos ao mundo das sensações. Como uma página em branco que só faz sentido se a soubermos ler assim.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Podia ser


Não acredito que eu possa abandonar assim o jogo de acreditar. Ironizo. Como se o precipício fosse um lugar cheio de operários da construção civil e eu pudesse dizer, enfadada, que não há público para a minha morte.
Talvez fosse um olhar apanhado por acaso no acaso do dia. Talvez nem fosse o olhar, mas o reflexo dos faróis numa memória qualquer. Talvez fosse apenas a vontade de vos dizer: ainda vivo.
Não sei se é o corpo cansado ou apenas puro esquecimento. Ou, ainda antes disso, um medo qualquer de qualquer coisa. Podia ser a morte ou apenas a simples palavra. Ou, antes disso, uma qualquer memória. Podia ser, se eu soubesse, podia ser.
Seria necessário escrever, se houvessem palavras. Ou se os sussurros que ouço não fossem os ramos das árvores passeando-se pela noite. Poderia ser a noite, ou um vazio profundo. Ou, ainda antes de mim, uma criança que chora.
Podia ser que ela vos dissesse: podia ser.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Quando me lembro

Quando me lembro,
o que existiu em mim, de forma tão brutal, tão viva,
deixo-me render a tal evidência,
e acredito,
que te amei desesperadamente, tanto...
Hoje pronuncio o teu nome em silêncio,
procuro-te em desesperada ideia vaga e,
assombra-me o medo de já te ter esquecido.
Onde estás agora?
Nunca te pude dizer, o quanto foste importante para mim...
O que só tu me fizeste sentir.
Tudo valeu a pena,
cada minuto,
cada abraço,
cada beijo...
ainda que em todos tenha sentido o sabor do adeus.
Nunca pensamos perder o que achamos possuir.
Nunca... até acontecer.
E quando acontece,
sofre-se por saber que no fundo de nós, essa possibilidade existia.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Confissão


Tenho por vezes breves momentos de firme certeza de que tudo o que me é essencial em cada dia para viver, me é absolutamente secundário. Na verdade, trata-se de uma sensação, porque não tenho a certeza, de quase nada e quase nada me interessa verdadeiramente. Uma sensação estranhíssima de que se morrer amanhã quero que hoje quase nada me interesse verdadeiramente. É então que sinto um quase desejo de ter permanentemente esta lucidez. Despreocupadamente deixar-me passear pelas horas e esperar por esse momento.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Sinais de indiferença

São como sonhos distantes que em mim habitam. Estes frágeis e moribundos sinais. Capturados pela dúvida. Imersos num manto de ausências...
Ninguém sabe como é letal este imenso julgar querer! Embora evite todo o sentir.
Ao tornar inócua a odisseia das palavras; recolhendo sílabas, sufocando com o silêncio os seus tons. Num constante reconhecer dos lugares. Nestes pequeninos delírios dos sentidos. Onde as aves se libertam dos nossos olhares; onde as flores desabrocham e murcham. Continuando a rotina das nossas viagens. Sempre a reter aqui e acolá pedaços do nosso passado.
A estabelecer as margens dos objectos que nos ocultam; quando ferem a violência das virtudes; num ser-se outrora uma aparente inocência.
Rascunhos imobilizados pela fraude da existência, cada vez que digerem o ofegante fugir de si, buscando motivos para guardar o amargo da dor, sem que deixem de fixar os sonhos no brilho da ilusão.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

É nestas alturas que me lembro



É nestas alturas que,

quando a lua toda transpira nos vidros do carro e o sol reaparece a transbordar do cinzeiro,

me lembro que sou feita da mesma carne que todos os homens e que qualquer falta pode ser fatal, capaz de, num encantamento, roubar pedaços de integridade.

Pois se quando partimos para longe de tudo voando para um qualquer mundo distante e abrimos as asas seguros de nós próprios, rindo da solidão que deixou de existir,

vem o destino (ou qualquer outro em que deixámos de acreditar) e desfaz a volatilidade obrigando-nos a recordar, mesmo só por um instante, que somos carne e sangue e artérias que pulsam em labareda,

esta matéria estranha que arde com um olhar,

e faz o coração disparar num segundo maior que a eternidade.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Uma sombra e uma aparência



Todas as coisas humanas têm dois aspectos...

para dizer a verdade todo este mundo não é senão uma sombra e uma aparência;

mas esta grande e interminável comédia não pode representar-se de outro modo.

Tudo na vida é tão obscuro, tão diverso, tão oposto, que não nos podemos assegurar de nenhuma verdade.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Metades


Somos sempre duas metades,
Porque a vida é feita de escolhas!
Somos o sim e o não,
Ainda que haja o talvez.
Somos o amor e a razão,
Embora exista a loucura.
Somos o antes e o agora,
Ainda que estejamos sempre à espera do depois.
Somos luz e escuridão,
Simplesmente porque uma não pode existir sem a outra.
Somos corpo e espírito,
Embora a essência esteja na alma.
Somos medo e coragem,
Porque dentro de nós grita o desejo.
Somos dúvida e certeza,
Simplesmente porque ambas são idênticas.
Somos ilusão e realidade...
E na procura das nossas metades,
De nada adianta apenas saber,
É preciso sentir!

sexta-feira, janeiro 12, 2007

...


Já não sou o que era, devo ser o que me tornei.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Eu olho para ti

Eu olho para ti grande e distante
a tua grandeza comove-me,
a tua distância revolta-me.
Olho de novo.
Procuro reter nas minhas mãos a tua figura
mas ela gesticula, oscila e cresce
e numa inconstância distraída
- no instante exacto -,
por trás da vida desaparece.
Um desacato.
Desapontada eu levanto-me
para levar embora outro desencanto,
então tu chamas-me
e a minha vida nessa ansiedade entrego.
E nesse amor feito de espuma colorida nós flutuamos:
tu borbulhas
eu escorrego, tu explodes,
eu desintegro-me ...

As escadas não chegam...


... à Lua!

Queria tanto desaparecer por entre as estrelas e sentar-me no pedacinho de queijo que dizem estar no céu. Não aguento mais palavras, gargalhadas, lágrimas perdidas e olhares transtornados.
As escadas não chegam...
E porque não tenho como explicar como me sinto agora e o facto de saber o quão é impossível lá chegar, fico-me pela imagem...

terça-feira, janeiro 09, 2007

Momentos felizes

Se eu tivesse que resumir a vida em momentos felizes,
a resumiria na noite em que me fizeste sorrir espontaneamente.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Agora...

Não sei se posso dizer que tenho saudade,
ou se me arrependo de algo,
simplesmente sei e porque tento explicar o melhor que sei,
sei porque sinto.
Não sei porquê mas tenho saudade de tanto... de nada,
apenas resta, e se pode recordar o que se passou, é passado.
O que não se disse já não se o pode fazer,
o que não foi feito, já não será sentido da mesma forma.
Trindade passada,
tempo de mudança,
descoberta do pecado por desejo provocado,
medos, tantos medos...
Tenho saudade, ai se tenho saudade,
gosto de estar aqui a recordar,
tentando perceber porque de tantos me tive de separar.
Posso até com isto um pouco sofrer,
mas por alguma coisa valeu pelo menos ensinou-me a viver.
Agora em que nada é como naquela película da minha vida,
é como se tivesse desaprendido como é viver,
ou se nesta fracção de tempo eu até soubesse o suficiente para estar aqui a falar do que é viver. Neste teatro existem cenas que passam demasiado depressa,
outras irritantemente devagar,
ainda umas em que podemos alterar o texto,
outras que mais apetece sair de cena antes que o tempo acabe e a cortina se feche...