sábado, outubro 28, 2006

Música Interior


A madrugada pousa fresca e monótona sobre o respirar do vento que inspira vida à noite.
Insone, recordo ocasiões que nunca aconteceram e que, no entanto, desfilam na minha lembrança, tão vivas quanto outras reais que, talvez, jamais se repitam.
É que costumo brincar com o tempo e, na pintura desses factos ocorridos no passado, matizo outros jamais vividos para compor um presente mais colorido, enquanto aguardo o inesperado que o futuro me reserva.
Divago no silêncio frio e não estou só: a música é a minha companhia.
No momento, ouço - Chico e Jobim - com um quarteto de cordas... e sinto-me levitar. Nada pode descrever com precisão a lindeza da voz em consonância com os murmúrios quase humanos dos violinos e do violoncello. Ah! Deus existe!
Enquanto isso, o céu violeta faz a noite cismar com o dia. Os meus olhos começam a pesar sonolentos. Sei que, ao adormecer, vou sonhar com essas cordas todas - vocais e instrumentais - conversando entre si num diálogo pleno de harmonia que se evaporará de mim, musicalmente, pelo céu do amanhecer.

quarta-feira, outubro 25, 2006

As muitas em mim

Muita gente vive no meu interior. Há uma mulher doce e paciente que vai tolerando os desdéns da vida e outra, que em certos dias, entra em descompasso de tão desolada.
Há uma pessoa leal e constante no seu querer, há outra que, quando traída nas suas confidências, tem dificuldade em perdoar e, paradoxalmente, uma outra ainda que perdoa até o que não precisa ser perdoado.
Há a mulher forte que parece fria, quase impessoal - e aquela que, a sós, chora toda a sua fragilidade e impotência diante do inevitável.
Coexistem em mim a realidade do dia-a-dia levada a termo com firmeza e o sonho e o romantismo que fluem tão reais quanto a vida quotidiana.
Há uma mulher ainda jovem e a sua sombra madura. Há uma pessoa extremamente determinada que persegue os seus ideais durante anos e aquela que procura alento em horas de abandono.
Habitam na minha alma a mulher extrovertida que conversa animadamente com pessoas que nem conhece e outra tão tímida, que cora quando elogiada, baixa os olhos e não diz palavra, a não ser um inaudível "obrigada".
Há uma mulher, em particular, preocupadíssima em não cometer injustiças e que, incoerentemente, às vezes é vítima dela.
Há aquela que escreve sem pudor e sem censura tudo o que sente e a outra que a vigia e a condena com medo que seja mal interpretada.
Há a pessoa alegre, de sorriso fácil e a outra que fica triste com um fim de um filme e que, juntando todas as partículas de dor, pensa que a sua existência está aniquilada - para depois se recompor, porque a vida existe para ser vivida e não desperdiçada em sofrimentos vãos.
Há uma mulher vaidosa e uma outra que reflecte que tudo passa e que a morte reduz a cinzas todas as vaidades do mundo.

Sophie

quinta-feira, outubro 19, 2006

Despisto a insônia a escrever

Despisto a insônia a escrever. Escolho as palavras com critérios de esperança. Pulsa na minha cisma, um apalpar de imaginações enganando a espera que não espera mais, mas que fica em mim como um mau costume.
Plena de dúvidas, experimento tocá-lo de alguma forma, espremendo as idéias para entornar a criatividade - como se o meu cérebro pudesse ficar seco pela ausência de comunicação -.
Trilho, através dos textos, caminhos diversos trêmula de expectativa. Na tela da minha mente, pincelam-se, plasmam-se tênues lembranças nas quais acreditei e que se esfumam com o passar do tempo. Sustento, ainda, uma nostalgia subtil do que teria ouvido, se pudesse ter assistido à gravação durante a madrugada, com a densidade maior que a música tem nesse período.
Ofegante, retenho essas imagens e sons, numa rala desconfiança do seu impedimento. Luto contra a minha tendência em acreditar, porque se cresse, estaria de luto musical.
Atenta, percorro a sua alma de maneira inglória e desperdiço o meu léxico em cartas enevoadas de lágrimas que vertem por dentro, fazendo-me inchar de tristeza. Lanço os meus sentimentos no papel e ingresso em várias jornadas, a fim de impedir que o meu espanto - ante sua indiferença - me faça, um dia, deixar de escrever.
Sophie

segunda-feira, outubro 16, 2006

Dobrar a dor meticulosamente



Um eterno conformar/não conformar

com o que não pode ser.

Uma inércia de anseios que calam

uma dor que eu (re)conheço.

Então, sento-me na platéia da vida e,

como um palhaço,

esboço um falso sorriso,

e escondo a lágrima

que a minha alma chora

e ninguém vê.

Dobro a dor meticulosamente e (simulo) guardá-la fora do alcance.

Sophie

sábado, outubro 14, 2006

Era...


Era feito de amor o nosso depois,
suado pelo desejo que a
nossa garganta escondia.
Era pouco mais,
era quase,
era tanto...
... e anoiteci a boca e o silêncio
na espera inalterada do abraço
que adormeceu em mim.
Sophie

terça-feira, outubro 10, 2006

Falo baixinho do que ninguém consegue entender

As máscaras pesam
e sinto vontade de ser autêntica...
de me poder mostrar
e respirar o ar puro da transparência de ser.
Onde me encontro?
Onde quero estar?
A vida sempre tão regrada de limites...
tão sufocada de soluços...
a vida.
Silêncio surdo que grita em mim.
Vida que chora calada
Vagando no absoluto nada da sua existência.
Falo baixinho do que ninguém consegue entender...
e às vezes as palavras deixam de fazer sentido,
quando o silêncio é a maior resposta que se pode ter.

... e as guerras passaram a ser mais fortes que a guerreira.
Sophie

segunda-feira, outubro 09, 2006

Magia

É na penumbra de um espaço mágico inventado
entre o crepúsculo da noite e o brilho da Lua,
que as nossas almas se tocam.
É na alvorada da paixão, que os nossos lábios se cruzam,
e os olhares se beijam.
É entre o encanto do começo
e o desencanto do fim do sonho
que os nossos tempos se fundem,
os nossos corpos se acertam
e o nosso Amor acontece.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Talvez as palavras não sejam um ponto de partida

Optei muitas vezes por nada dizer e fugir pelas palavras enubladas...
Deixei o silêncio incendiar a minha vida, conquistar aquele mundo mais distante de qualquer um; e um passo após outro,
consegui apanhar um sorriso de mim mesma.
Esta corrida de loucura e insanidade apresenta um mundo desconhecido para quem vive em rotina.
Quem se perde em caminhos de sentimentos, sabe que o amor, a paixão, a dor, a alegria, a tristeza não podem ser sentidos com medidas equilibradas, como se estivesse a pesar um momento.
E quem sabe pesar um momento?
Às vezes, páro para escutar a saudade dentro desta alma. E sei, tenho consciência que me perco na minha razão e análise exigente para explicar o que sinto.
Ás vezes chove.
Ninguém vê a chuva correr cá fora, mas, eu sei que ela cai cá dentro, em forma de saudade.
Não estou preparada para me enfrentar.
Nada se segue, depois deste momento a não ser uma espécie de carinho e afeição pelo conjunto de sentimentos já partilhados.
Talvez as palavras não sejam um ponto de partida.
Talvez sejamos um ponto de encontro sem palavras, porque até mesmo o silêncio precisa de ter uma razão.
Sentes isso?
Sophie

terça-feira, outubro 03, 2006

Algo que nos toca

... nesta vida há algo que nos toca;
pessoas que são especiais,
momentos que nos afastam e nos recuperam de nós mesmos.
E há sempre espaço para quem nos vê e nos toca de mansinho,
simplesmente com um olhar...
Sophie

domingo, outubro 01, 2006

Retorno à infância

Em casa da minha avó materna, havia sempre uma embalagem de creme Nívea, daquelas mais achatadas. Durante a semana, lembrei-me muito do perfume tão característico desse creme hidratante, da sua textura espessa e da indissociável cor azul da embalagem redonda com letras brancas.
Comprei uma latinha no supermercado e levei-a para casa.
Naquela espécie de recipiente estava guardada uma recordação da minha infância, a que agora queria voltar. Abri-a de imediato para sentir o aroma e, para grande surpresa minha, nada aconteceu. Não associava o perfume do creme aos encantadores momentos da infância vividos em casa da minha avó.
Confusa e entristecida, apressei-me a retirar a película prateada e a meter os dedos no creme, besuntando ansiosamente as mãos. Talvez tenha sido a esperança de me lembrar de algo que me ligaria a uma pessoa amada e desaparecida, que me trouxe por fim a sua imagem e, juntamente com a dela, a minha com seis anos, sete, a perguntar o que era aquilo que cheirava tão bem.
Fosse por que motivo fosse, revivi aquele momento e, após ter chorado, descansei.