sexta-feira, agosto 29, 2008

Gostava que alguma lucidez me assaltasse agora de mansinho. Só para conseguir discorrer sobre alguma coisa que relamente importe a alguém. Mas, já se sabe, conheço de antemão a minha incapacidade discursiva e a luz da madrugada - que magoa os olhos míopes - faz-nos crer que tudo ou nada é essencial. E quase se morre de sufoco. Talvez seja perda de tempo. As prioridades hão-de sempre estar trocadas, isto de acordo com as ideias mais básicas de cada um: dinheiro, amor, ou a tal desejada liberdade, de que muitos falam e poucos lhe sentem o cheiro. Pouco importa, também já se sabe. A futilidade de certas pessoas sempre me assustou. E digo futilidade com a plena consciência de que também eu pertenci e pertenço a esse grupo de cada vez que me deixo invadir por preocupações que em nada me dizem respeito. Nunca fui de muitas palavras, é um facto. Em vez disso, gosto que se agigantem em mim.
Gosto de ter noção de que são mesmo valiosas e que estão finalmente dispostas a ser oferecidas aos outros.
O corpo não me pede para dormir esta noite. E a inquietação dá lugar a palavras escondidas e emoções falhadas. Não tenho culpa.
Preciso de me salvar antes que o cinismo tome conta de mim. E sei que nada disto faz sentido para a maioria das pessoas. Sei que penso trinta vezes antes de falar ou agir - exceptuando o nervosismo feliz de determinadas situações - e que o meu silêncio incomoda muita gente.
Sou assim, ponto final. Um dia, isto dito no imprevisto dos acasos que resgatam muitas vezes a alma às pessoas, disseram-me num sorriso que eu era transparente. Choro, coro, e rio com muita facilidade. É verdade. Foi, até hoje, um dos elogios mais bonitos e sinceros que já me fizeram. E eu não esqueci. Porque sei que essa transparência se tem perdido, sem rasto, entre os meus dias vazios. E eu queria muito quebrar certos silêncios. Dizer o que me preocupa ou o que me faz sentir bem e feliz. Mas também sei que há quem partilhe comigo, quase na clandestinidade, esses silêncios entendidos feitos de pequenos gestos.
Hoje tentei em vão, às 3h25m, falar de silêncios entendidos. Aqueles transparentes que aconchegam o coração. E eu sei que nem toda a gente os percebe. Muitos mais são os que os julgam ser tristeza. Talvez. Mas só a tristeza de não saber como tocar fundo na alma das pessoas... sem palavras.

quinta-feira, agosto 28, 2008

Esquecimento

Tinhas o olhar no limite da melancolia. Num qualquer sinal indecifrável (de emergência?!) que eu não consegui desvendar. O olhar achocolatado deu lugar a uma voz rouca e sumida. Trazias uma armadilha por detrás do sorriso que eu julgava ser apenas cúmplice de segredos ainda por revelar.
Não soube reconhecer o remorso que te habitava os olhos, esse tal ladrão (tão conhecido) que ajuda a desfolhar lentamente o deslumbramento cada vez mais dissolvido no vaguear dos ponteiros tontos do relógio.
Só me lembrei da chama que me aqueceu o peito e que me deixou o coração a palpitar de novo, num ritmo desenfreado, quase perdido na loucura das labaredas do teu lume cego. Desculpa.
Só me apercebi dos lampejos de desejo, aqueles que te assaltaram o rosto naquele instante. Não pedi autorização para descobrir a beleza dos mistérios proibidos, sempre longe da razão.
Sustive a respiração para não fazer barulho, porque a voz do coração é muito pequena, e fiquei assim até me ouvires. Mas o barulho do meu coração só te trouxe o vento. Batia com mais força com o silêncio. E disso não estava eu à espera. Arder é pecado e eu não sabia. Tanta verdade devia doer nos olhos, na ponta dos dedos e até na língua. Em todo o lado. Também nos ouvidos. Tenho os olhos cheios de palavras mas nos meus ouvidos já há demasiado silêncio. Ouvi cada passo teu, quando te foste embora, primeiro fora e depois dentro de mim... A porta primeiro abriu-se, depois fechou-se e o silêncio ficou lá fora. Cá dentro, só o peso das minhas lágrimas ainda por cair.
Queria ter-te perguntado: O que significa quando se tem sempre na cabeça os olhos de alguém? Terias respondido que é impossível roubar os olhos de uma pessoa e metê-los na cabeça. Que isso nunca acontece. Que o amor se desfaz nas frases adversas e nos momentos maus, nas ausências impossíveis de curar. Por isso fiquei calada, perdida na calma aparente de quem sabe para onde vai: esse paraíso flutuante do esquecimento.
Até amanhã.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Gostava de acreditar que sim. Que posso deixar a máscara de lado e contentar-me com o que sou. Coisa pouca. Mas preciso de me esconder por detrás de palavras para conseguir dizer o que sinto. Ou quero, ou devo sentir. Sou mais uma mulher calada, um indício de tempestade que nunca acontece. Sou mais uma pessoa com medo. E vou-me calando, vou-me arrastando e escondendo o quanto posso, até não aguentar mais. E depois grito um basta - única prova da vontade de ir de mão dada com os perigos - mas logo volto atrás, com uma desculpa qualquer. Um mau agoiro ou a certeza das minhas fraquezas. E assim se vão passando os dias, acumulados como pó a pesar-me nas costas. E eu gostava de não calcular nada, de seguir desbravando caminho sem pensar em consequências maiores que não me deixam dormir, às vezes. Quase sempre. E o cansaço de ser como sou cá está. E lá vou eu buscar a máscara - sempre optimista - dos discursos bonitos. Porque há que não ficar calada. Porque só se vive uma vez. Porque a vida não é fácil mas é mais difícil quando se nos turva a vista com lágrimas e não se vê um palmo à frente. Porque há quem esteja pior - e há, pois há. E depois de palavras tão sábias e tão puras - que ficam sempre bem na boca dos outros - fica um nó na garganta por tudo aquilo que eu não sou. Aquilo que não fui capaz de ser, depois de tudo o que me ensinaram ou sacrificaram por mim. Fica o vazio por ir tentando todos os dias - ser uma pessoa melhor e isso não chegar aos olhos dos outros. E quem é que eu quero enganar? Não chega para mim também - se me deito e levanto a pensar nisto. Já não basta o sorriso caiado na cara para dizer que está tudo bem. Mas, lá está, aqui todos usam máscara e acham bem, muito bem. Eu, secalhar, nunca cresci. E este mundo não me chega, como não iria chegar outro qualquer.
Posso inventar novos sonhos que hão-de cair - mais cedo ou mais tarde - aos meus pés. Há, ainda assim, alguma verdade nisto. Os outros são hábeis mas eu não. Porque mesmo calada - sem que nenhum movimento se faça adivinhar em mim - não me revejo noutros gestos. E prefiro assim, ficar quieta. Cobardia - dizem uns. E eu aceito. Ou digo que não, conforme os dias. Aí chamo-lhe sensatez. Que é quando gosto mais de mim, sensata. Mas depois chega a vida rotineira de quem se diz assim e o que mais se quer é fugir de tanto tédio. O que fazer? Pois bem, não se sabe. Pede-se ajuda aos astros mas os signos não percebem nada das coisas que nos abalam o coração. Vai-se à procura de conselhos mas não apetece falar sobre o assunto, que chatice. Sai-se para a rua com uma música no ouvido e canta-se a alto e bom som para enganar o silêncio que se faz cá dentro. E é assim, vamos vivendo com a cabeça entre as orelhas. A sonhar com dias melhores e com o mundo lá em cima, mas sempre com medo das vertigens. Com o medo de cair que não nos larga a porta. E hoje apetece-me dizer que nenhuma máscara me serve. Nenhuma máscara é capaz de exprimir o que me vai na alma.