quinta-feira, novembro 29, 2007

Entreguei-me nua às palavras

Sonhei um sonho desenhado na contracapa do céu, vi rascunhos e folhas soltas perdidas na leveza das nuvens que cobriram de fantasias o meu sorriso. Entreguei-me nua às palavras, fiz Amor com elas, rebolei-me nas prosas inacabadas e fintei os dias em que a Saudade me roubou o sabor da pele. Á mercê da brisa que levou o tempo do teu verbo, inventei frases sem sentido, deitei-me com hipérboles nocturnas, em camas vazias de gramática amarrotada.
Reinventei a conjugação das carícias com o adjectivo do olhar, beijei as metáforas que suspiraram docemente aprisionadas entre os meus dedos. Masturbei-me em linhas e parágrafos de loucuras impensadas que voaram, desapareceram por aí, não me deixando sentir-lhes o aroma que me consola o espírito.
No peito ainda salta a emoção, o desejo de virar a página e ler uma outra passagem, talvez uma rima, um silêncio, um carinho, ou apenas o momento de ser verdadeiramente amada.

sexta-feira, novembro 23, 2007

...


De que serve ter o mapa se o fim está traçado,
De que serve a terra à vista se o barco está parado,
De que serve ter a chave se a porta está aberta,
De que servem as palavras se a casa está deserta?

segunda-feira, novembro 19, 2007

A alma contorce-se.
Os espasmos assaltam a tranquilidade e só resta a turbulência.
Passeio nua pelos contornos da tinta que vão acrescentando traços e mais traços, até formar o manto com que me cubro.
Disfarço-me de mulher e acredito que o sou.
As fraquezas emergem e ao sol são expostas.
Tornam-se feridas, cicatrizes que permanecem.
A lua ilumina-as dando-lhes formas ambíguas e distorcidas.
Já não sei o que é verdade, não quero saber se é mentira.
As linhas paralelas desenham perpendiculares que se esbatem numa amálgama indistinta de valores, de sentires, de desejos.
Continuo a sonhar e o desconhecido atrai-me para o abismo da indefinição.
Acordo e o pesadelo começa a subir pelas paredes da imaginação.
Não sei onde vou chegar e subo...

Quando vou parar esta escalada sinuosa de montanhas mutiladas e sombrias?

domingo, novembro 11, 2007

Por tantas razões e por nenhuma que queira tirar de dentro do peito agora, escrevo e mancho sem dó este post.

A dúvida.
A incerteza.
A ferida. A confusão.
A interrogação.
A mágoa.
Tudo e nada... ferindo e deixando cravada a dor.
O desgosto.
O descrédito.
O desnorteio.
O falhanço, na oportunidade perdida.
Vieram estilhaçam e incineram com requintes de malvadez.
E ficam.
Ninguém os apaga.
O coração contorceu-se e, arrepiado no seu canto, cobriu-se de uma geada perene.
Tantos dias depois, as lágrimas (tantas!, silenciosas, amargas, sozinhas), foram secando, brotando somente aqui e além, no silêncio ensurdecedor do meu recanto.
Afinal, uma gota é sempre uma gota e enche sempre o copo da mesma forma. Mas existe aquela gota que é vertida, sobre tantas outras já esquecidas e numerosas, e que molha mesmo a toalha.
Acredito agora, ter sentido deslizar essa gota igual mas diferente das demais, porquanto mais espessa, mais pesada, tingida de negro por uma tinta sem odor.
Aquela que abriu os olhos e fechou portas e janelas de mundos que pensava conhecer e daqueles que via à distância de uma mão.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Há tanta, tanta coisa que gostava de ser. Tanta, tanta coisa que quero ser.
Ambições? Uma mão cheia delas. Todas tão reluzentes, brilhantes, preciosas, magnificamente esculpidas. E que, tão verdadeiras como choradas, fazem finca pé face a quem quer que seja, sobrepondo-se ao óbvio, projectando-se num mundo impecavelmente construído, num lugar ainda assim com muitas pedras no caminho, é certo, porém simplesmente não disponível para trocas. Porque meu. Só meu. Sem porta para entrar nem abertura na rocha para sair.

sexta-feira, novembro 02, 2007

Deus a fugir dos nossos dedos

Vive em mim uma mulher mística que ama deus. Vive em mim uma mulher rasgada de seiva que odeia deus. Vive em mim uma mulher que não sabe a quem amar ou a quem odiar.
Se eu pensasse numa banda sonora para a minha vida, ela teria deus a sorrir-me nas notas musicais. Se eu pensasse na minha vida, no grosseiro correr dos dias e das desilusões, ela seria um piano desafinado que ninguém toca há imenso tempo e que morre abandonado num sótão poeirento.
Porque deus gosta de se esconder de mim nos momentos mais agudos da minha existência.
Olho pela janela e vejo um arco-íris sorridente que desenha no céu o sorriso de deus que nunca me acariciou os cabelos quando gemo o seu nome.