A que distância da língua comum deixáste o teu coração?

Nada há que eu queira devolver-te. Sei que, se fosse ontem, milhentas coisas te poderiam ser restituídas, da mesmíssima forma em que as obtive: inócuas... metálicas.
Sei que a hora já é tardia para que te consiga acordar; para que, entre a água e a lama dos meus olhos, nada mais entre a não ser o teu corpo desnudado. Já lá vão alguns dias desde a última vez em que não nos encontrámos, e de mim tenho a ténue imagem de resignação, de silêncio.
Assim te tive.
Assim é a forma como te vou lembrar, de ora em diante: ausente, quase-meu.
É como hoje, em que nada sai como seria suposto: existe calor em formas diversas, mas o corpo é uma moldura de tudo aquilo que não quiseste lembrar.
Sussurro-te, de longe, hoje: nada mais resta por aqui.
E conseguiste ouvir-me, não sei como, a dizer-te tudo aquilo que irias conhecer no futuro, e foi ontem que partiste.
De ti não vou guardar nada que não deixes.
Isto porque as coisas que tenho são minhas, neste momento. Deixaram-te, ultrapassaram-me de uma forma que não conheço e juntaram-se a outras cicatrizes que passeio, com o meu corpo.
Talvez a minha doença seja essa: não saber quando estás ou quando partiste. Não ter a certeza definida de que os teus passos ladeiam as minhas memórias.
Fiquei surpresa com a velocidade a que as memórias nascem, crescem, morrem e deixam pó nos olhos.
Talvez seja esta a forma como te tenho, hoje, mesmo que aqui não estejas desde o momento em que partiste - mas de ti resta-me apenas o teu cansaço, que uma vez consegui guardar.