sexta-feira, outubro 03, 2008

Exames Médicos

Os exames médicos são feitos em sítios públicos.Você está sentado. De repente, tocam-lhe no ombro, e dizem: Exame Médico. De imediato você levanta-se, encosta-se à parede, e despe-se por completo.
A cada Exame Médico marcam uma cruz nas costas da mão. Há pessoas que já fizeram dezenas. E todas as pessoas sabem que as doenças surgem com os exames médicos.
Como são marcados nas costas das mãos alguns procuram rodar os braços para manterem as palmas viradas para cima. Mas com esse gesto denunciam-se. Provocam maior repulsa. Os outros afastam-se.
Nunca lhe tocam. O contágio vem da extremidade dos aparelhos. Com os olhos você nada distingue, mas os instrumentos parecem ter a extremidade coberta de um pó granuloso. Até você sentir os aparelhos não tem medo. Depois sim.
Por vezes só assustam. Abrem uma fenda na pele e depois fecham-na. Arrumam os aparelhos. Dizem: nenhuma doença; e sorriem. Afastam-se, e você começa a vestir-se. Outras vezes é diferente. Fazem pequenos cortes. Tocam-lhe com os aparelhos. Tiram pequenas coisas do seu corpo, não interessa o quê; não magoam.
Perseguem as doenças estranhas. Perseguem os doentes estranhos. Quem tem uma doença estranha deixa de ser doente, entra na categoria do criminoso.Ter uma doença normal significa que se obedeceu e se foi exacto nas funções. Uma doença estranha revela uma falha: faltou-se à higiene ou à verdade.

segunda-feira, setembro 29, 2008

Cemitério dos poetas

Há pessoas que põem palavras nos nossos sentimentos. Parecem-se com os poetas. Mas, depois de surpresa, abandonam os nossos sonhos pé ante pé ou de pantufas. Não sei... Na verdade, decepcionam-nos (devagarinho) e, quando damos por isso, apagam-se dentro de nós. Deixam de ser preciosas e, por tudo o que valeram, não podem voltar a ser só nossas amigas. Partem, portanto, para uma terra de ninguém, muito distante do sítio onde vivem os génios da lâmpada, o Pai Natal, as fadas e os duendes. E por lá ficam. Mais ou menos errantes.
Imagino esse lugar, onde se acotovelam tantas pessoas que nos disseram tanto, como um Purgatório, com a particularidade de lá não se ser promovido, com facilidade, até ao Céu. É verdade que essas pessoas não se transformam num inferno dentro de nós, embora, por vezes, surjam, ora como um vulto ora como uma silhueta ou, até mesmo, como uma estrela cadente que, atravessando o nosso coração, já não provoca um arrepio (muito menos, um calafrio, que são aqueles sentimentos impetuosos que nos desabotoam a cabeça e nos deixam a arder de paixão e a tremer de medo, ao mesmo tempo).
Afinal, não são nem amigos nem amores. Transformam-se num museu? Numa arqueologia de todos os amores, por exemplo? Ás vezes, nem nisso. Infelizmente. Se fosse assim, estáticas ou em pequenos pedaços de histórias, empoeirados, seguravam-se no nosso coração. O que não acontece às pessoas que foram perdendo a magia...
Este não sei para onde (eu sei que, dito assim, custa só de pensar) é uma espécie de cemitério de poetas dentro de nós. Um lugar de silêncio que convida a espreitar para o que sentimos. Com surpresa e com dor, ao descobrirmos que, ao contrário do que sempre desejámos, há relações - luminosas - que foram morrendo para nós. Às vezes, assusta. Afinal, não é simpático descobrirmos que mora em nós alguém que, não sendo o Capitão Gancho, tenha ajudado a morrer (de inanição, por exemplo) quem trouxe poesia, ou luz, ou um insustentável rebuliço ao que sentimos... Ás vezes, atormenta. Porque magoa descobrirmos que - mesmo quando nos imaginamos a dar a sala mais espaçosa do nosso coração - também nós, dentro de algumas, vivemos sem viver, errantes, nesse não sei onde de alguém, entre os seus amigos e os seus amores. Ás vezes ainda, somos tocados pelos galenteios da vida e, levados pelo entusiasmo, imaginamos que, se desejarmos com muita força, algumas das pessoas que guardamos no nosso cemitério de poetas ressuscitam e regressam, cheias de luz, para surpresa do Pai Natal ou das fadas (que, sendo mágicos, parecem viver num mundo de bolas coloridas de sabão). Eu sei que também entre as pessoas há quem pareça mágico mas intocável. Como eles. Mas não se esqueça: esse é o cais de embarque que, de surpresa, nos pode levar (sem volta) para o cemitério dos poetas.

quinta-feira, setembro 04, 2008

... senti uma dor tão profunda e uma aflição tão forte no peito, que algo dentro de mim começou a despedaçar-se. O amor foi obscurecido pela dor e ao extase seguiu-se a desilusão.

quarta-feira, setembro 03, 2008

Às vezes acho que sei qual é afinal o teu segredo. Estás bem porque te conformas. E a felicidade, dizem, não é afinal apenas dos tontos, mas principalmente dos que se conformam.
Decerto concordas. Até porque um dia, hoje mesmo talvez, tu vens e dizes que o amor não é suficiente e que por isso temos de o descartar e deixar ir embora. E eu devo aceitar, rever o meu tempo perdido e as minhas forças perdidas, seguir com a minha vida e, da noite para o dia, aprender a viver com isso.
Ontem, senti-me transparente. Achei-me tal uma coisa bem simples de se perceber. Só queria que cada pergunta e cada resposta tivesse retorno... mas, olhando para trás, só queria realmente ter pensado melhor, para que hoje, eventualmente, tu fosses embora e eu não me importasse com isso.
E vou lembrar que dar sem receber é para os tontos.
E eu não sou assim.
Mas hei-de lembrar-me sempre que não houve retorno.
Tenho muita pena que tenha de ser assim. Mas depois olho e percebo que haverá sempre alguém na eminência de se ir embora. Eu fico e tu vais. Por sistema. Talvez se eu tivesse ido embora, uma única vez, te provasse que em esquina alguma vais encontrar mulher que tenha gostado tanto de ti, por tão pouco.

segunda-feira, setembro 01, 2008

Setembro chegou e eu mal dei por ele.

Esqueci-me vagamente de como não gosto de Setembro.
O Sol ajudou.
As ilusões também. E a vontade de pensar que de um nome pode nascer a esperança de te trazer nos olhos.
Agora já não chamo por ti, já não te escrevo cartas nem poemas. Nem sequer penso em ti. Chorei escondida ao ver um filme que dizia, com todas as letras, que as recordações não passam de lágrimas perdidas. Fingi não acreditar. E, hoje, ao saber que não tenho o direito de te imaginar aqui (porque não posso), tenho a certeza que não tenho lágrimas para te dar. Porque não és nem nunca vais ser uma recordação. Chega a ser ridículo. A velocidade com que entras e sais da minha vida. O sorriso que invade sem culpa a minha aparente calma. Cheguei a querer-te mais perto.
Quando me esqueci que não gosto de Setembro. Desta intimidade que me roubas sem vergonha. E toda a gente sabe que eu não gosto de Setembro. Por todas as recordações que são lágrimas perdidas, por todos os momentos guardados no fundo da gaveta do esquecimento. E vieste tu, sem avisar, plenamente consciente de que serias capaz de curar corações avariados como o meu. E disseste, baixinho, aquilo que eu queria ouvir. Que os sonhos cabem todos na palma da mão. Que os corações avariados são mais bonitos por causa disso. Eu quis acreditar.
Hey Mr. Pleaser would you smile for me?
E sorriste. Mas tu não trouxeste a cura.

sexta-feira, agosto 29, 2008

Gostava que alguma lucidez me assaltasse agora de mansinho. Só para conseguir discorrer sobre alguma coisa que relamente importe a alguém. Mas, já se sabe, conheço de antemão a minha incapacidade discursiva e a luz da madrugada - que magoa os olhos míopes - faz-nos crer que tudo ou nada é essencial. E quase se morre de sufoco. Talvez seja perda de tempo. As prioridades hão-de sempre estar trocadas, isto de acordo com as ideias mais básicas de cada um: dinheiro, amor, ou a tal desejada liberdade, de que muitos falam e poucos lhe sentem o cheiro. Pouco importa, também já se sabe. A futilidade de certas pessoas sempre me assustou. E digo futilidade com a plena consciência de que também eu pertenci e pertenço a esse grupo de cada vez que me deixo invadir por preocupações que em nada me dizem respeito. Nunca fui de muitas palavras, é um facto. Em vez disso, gosto que se agigantem em mim.
Gosto de ter noção de que são mesmo valiosas e que estão finalmente dispostas a ser oferecidas aos outros.
O corpo não me pede para dormir esta noite. E a inquietação dá lugar a palavras escondidas e emoções falhadas. Não tenho culpa.
Preciso de me salvar antes que o cinismo tome conta de mim. E sei que nada disto faz sentido para a maioria das pessoas. Sei que penso trinta vezes antes de falar ou agir - exceptuando o nervosismo feliz de determinadas situações - e que o meu silêncio incomoda muita gente.
Sou assim, ponto final. Um dia, isto dito no imprevisto dos acasos que resgatam muitas vezes a alma às pessoas, disseram-me num sorriso que eu era transparente. Choro, coro, e rio com muita facilidade. É verdade. Foi, até hoje, um dos elogios mais bonitos e sinceros que já me fizeram. E eu não esqueci. Porque sei que essa transparência se tem perdido, sem rasto, entre os meus dias vazios. E eu queria muito quebrar certos silêncios. Dizer o que me preocupa ou o que me faz sentir bem e feliz. Mas também sei que há quem partilhe comigo, quase na clandestinidade, esses silêncios entendidos feitos de pequenos gestos.
Hoje tentei em vão, às 3h25m, falar de silêncios entendidos. Aqueles transparentes que aconchegam o coração. E eu sei que nem toda a gente os percebe. Muitos mais são os que os julgam ser tristeza. Talvez. Mas só a tristeza de não saber como tocar fundo na alma das pessoas... sem palavras.

quinta-feira, agosto 28, 2008

Esquecimento

Tinhas o olhar no limite da melancolia. Num qualquer sinal indecifrável (de emergência?!) que eu não consegui desvendar. O olhar achocolatado deu lugar a uma voz rouca e sumida. Trazias uma armadilha por detrás do sorriso que eu julgava ser apenas cúmplice de segredos ainda por revelar.
Não soube reconhecer o remorso que te habitava os olhos, esse tal ladrão (tão conhecido) que ajuda a desfolhar lentamente o deslumbramento cada vez mais dissolvido no vaguear dos ponteiros tontos do relógio.
Só me lembrei da chama que me aqueceu o peito e que me deixou o coração a palpitar de novo, num ritmo desenfreado, quase perdido na loucura das labaredas do teu lume cego. Desculpa.
Só me apercebi dos lampejos de desejo, aqueles que te assaltaram o rosto naquele instante. Não pedi autorização para descobrir a beleza dos mistérios proibidos, sempre longe da razão.
Sustive a respiração para não fazer barulho, porque a voz do coração é muito pequena, e fiquei assim até me ouvires. Mas o barulho do meu coração só te trouxe o vento. Batia com mais força com o silêncio. E disso não estava eu à espera. Arder é pecado e eu não sabia. Tanta verdade devia doer nos olhos, na ponta dos dedos e até na língua. Em todo o lado. Também nos ouvidos. Tenho os olhos cheios de palavras mas nos meus ouvidos já há demasiado silêncio. Ouvi cada passo teu, quando te foste embora, primeiro fora e depois dentro de mim... A porta primeiro abriu-se, depois fechou-se e o silêncio ficou lá fora. Cá dentro, só o peso das minhas lágrimas ainda por cair.
Queria ter-te perguntado: O que significa quando se tem sempre na cabeça os olhos de alguém? Terias respondido que é impossível roubar os olhos de uma pessoa e metê-los na cabeça. Que isso nunca acontece. Que o amor se desfaz nas frases adversas e nos momentos maus, nas ausências impossíveis de curar. Por isso fiquei calada, perdida na calma aparente de quem sabe para onde vai: esse paraíso flutuante do esquecimento.
Até amanhã.