De ti não vou guardar nada que não deixes.
Nada há que eu queira devolver-te. Sei que, se fosse ontem, milhentas coisas te poderiam ser restituídas, da mesmíssima forma em que as obtive: inócuas... metálicas.
Sei que a hora já é tardia para que te consiga acordar; para que, entre a água e a lama dos meus olhos, nada mais entre a não ser o teu corpo desnudado. Já lá vão alguns dias desde a última vez em que não nos encontrámos, e de mim tenho a ténue imagem de resignação, de silêncio.
Assim te tive.
Assim é a forma como te vou lembrar, de ora em diante: ausente, quase-meu.
É como hoje, em que nada sai como seria suposto: existe calor em formas diversas, mas o corpo é uma moldura de tudo aquilo que não quiseste lembrar.
Sussurro-te, de longe, hoje: nada mais resta por aqui.
E conseguiste ouvir-me, não sei como, a dizer-te tudo aquilo que irias conhecer no futuro, e foi ontem que partiste.
De ti não vou guardar nada que não deixes.
Isto porque as coisas que tenho são minhas, neste momento. Deixaram-te, ultrapassaram-me de uma forma que não conheço e juntaram-se a outras cicatrizes que passeio, com o meu corpo.
Talvez a minha doença seja essa: não saber quando estás ou quando partiste. Não ter a certeza definida de que os teus passos ladeiam as minhas memórias.
Fiquei surpresa com a velocidade a que as memórias nascem, crescem, morrem e deixam pó nos olhos.
Talvez seja esta a forma como te tenho, hoje, mesmo que aqui não estejas desde o momento em que partiste - mas de ti resta-me apenas o teu cansaço, que uma vez consegui guardar.
6 Comments:
E baila, baila no céu, vestido de prata, lua fagueira, maré sobe no teu encanto, rendilhada espuma por cabeceira. São sete as luas que regem a magia, o encanto, sete vezes se abre a alma para deixar sair o pranto.
Resta o cansaço, a lembrança e o impulso das palavras.
Um abraço
A memória é orgânica. Nós habituamo-nos a pensar que não, que ela é uma espécie de conserva que se vai preservar e manter inalterada, e que basta abrir o frasco em que a guardámos e ela vai sair quase tão fresca e nítida como no dia em que a fechámos. Não. Envelhece, fica amarga e até se estraga. E então se a abrimos muitas vezes, se a deixamos ao ar...Era bom recordar sem mácula, mas não é possível. Até porque a vida se move, e nos marca todos os dias, e nos faz ver e ouvir o novo. Faz das memórias alicerce. Isso sim. As janelas, abre-as todos os dias para o dia que nasce.
Olá Sophie!
Bela e emotiva, como sempre, a tua escrita.
Guarda sempre só o que quiseres daquilo que partilhas com os outros, só o que valha a pena, para viveres mais tarde numa memória só tua.
Um bj!
...enganar o tempo na roda das memórias e sorrir...
um abraço
Que te dizer se também eu sinto a ausência que escreves...Tens razão, resta-nos a memoria cada vez mais cansada. Um tremendo cansaço para guardar...
Abraço daqui onde o rio se junta ao mar tranquilo
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