Ela quase que o conseguia ouvir a pensar, mas deixava-o sempre esconder o que sentia e o que não queria dizer.
A facilidade de não enfrentar palavras era muitas vezes a fuga possível para o que não queria ouvir e ele sentava-se no meio de todas as divagações e contemplava a vida com a instabilidade de quem escolhe o momento.
Um dia ela teve a ousadia de lhe perguntar porquê, um porquê único sem associações, e mais uma vez viu no seu olhar os pensamentos a rodarem sobre si mesmos e encadearem-se para proferirem uma resposta plausível, ainda que o tom o traísse.
Era sempre assim: a imbecilidade de perguntar sabendo a resposta que lhe assentava no perfil, não era preciso deter-se em especulações, quando perguntava, na sua cabeça, automaticamente, o ouvia responder e raramente, quando ele falava, nas vezes que não escolhia o silêncio, a resposta fugia ao já previsto.
Acabava sempre da mesma forma, um consenso tácito e peculiar, um entendimento de limites que não se queriam transpor porque a fronteira da mágoa era demasiado ténue e de retrocesso difícil. E era sempre ridículo, já o conhecia bem demais para saber o que estava por dentro das palavras, das atitudes e de todas as reservas que ele mantinha, como dos espaços que criava sempre nos dias seguintes a estarem juntos. Daí sentir a ilógica da teimosia como se depois de se descobrir o mundo de alguém, se possa esperar uma mudança que encaixe plenamente nos próprios desígnios.
Um dia ele disse-lhe que queria ser diferente, e um dia ela sentiu que ele não procurava essa diferença. Era simples, tão simples que se tornava complicado.
As pessoas são conjugáveis durante um espaço de tempo e só nesse tempo podem conquistar algo mais que um limite de tempo, e só dentro desse tempo se conquista o respeito e a lealdade.
Ele recolheu-se em todos os medos que nunca o deixaram e ela aprendeu muito do que precisava saber para a vida inteira.
Era simples, tão simples que até doía olhar para trás.
3 Comments:
Texto lindissimo! Quantas vezes vivemos assim...
Bjo
Mimo-te
Abraço-te. Posso?
Afinal somos uns resistentes.
Continuo por cá enquanto o vento enfunar as velas velhas do navio cansado.
Tempo de curar feridas querida amiga.
Tempo.
Todo o tempo.
Fico a tratar de memórias junto ao mar na minha praia.
Começàmos esta caminhada "blogosférica" quase em simultâneo.
É certo que há períodos em que o tempo de que dispomos é escasso e não permite muitas andanças por aqui. Mas, desde Abril, que não leio nada teu. Espero que não tenhas desistido. Fazes-me falta.
Um abraço
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